terça-feira, 9 de março de 2010

A Viagem

Entre bocejos e correrias, apresso-me para o interior da impaciente lagarta de aço que simplesmente não espera. Sento-me e observo em meu redor os vermes vizinhos, que ora lutam para não adormecer, ora se estudam mútua e subtilmente como se tentassem traçar o perfil psicológico daqueles para quem olham. Uns metros à frente, três mães de filhos ausentes cospem incessavelmente queixas de uma maternidade à qual parecem ter sido forçadas, competindo pela maior fatia de insatisfação, como se de um ritual se tratasse, ironizando assim o incondicionável orgulho que no fundo sentem pelas respectivas crias.
De frente para mim, a tecnologia encarrega-se de estabelecer contacto entre uma virgem larva e um outro ser que apesar de não presente, se torna bastante óbvio. Provavelmente um espécime simétrico do sexo oposto, é o responsável pelo frenesim que os polegares da pequena jovem evidenciam.
Encontro-me num dos poucos sítios que deixa a descoberto ambas as faces de cada pessoa. Máscaras reveladas pelo simples reflexo de uma janela que acolhe olhares indiscretos, rapidamente afuguentados quando cruzados com o nosso, lembrando rãs à tona de um lago, sobressaltadas pela presença de um qualquer predador.
A lagarta parou. Abriu as portas e gemeu. É a minha estação, tenho de sair.


por: Tiago Santos